Quando entrei para a faculdade de Letras, ainda sem saber que direção tomar, assisti a uma palestra do chefe do departamento de Interpretação, professor André Bekenn.
Ele foi explicando o que era interpretação, as diferentes modalidades, e aí começou a descrever as características de um intérprete nato: “Intérprete é aquela pessoa que quando abre um dicionário para procurar uma palavra, não resiste e lê a página inteira”.
Plim! Acendeu-se aquela lâmpada de desenho animado na minha cabeça. Tem mais gente que faz isso? Preciso encontrar esse povo!
Pode parecer bobagem, mas foi essa frase que fez com que eu escolhesse a habilitação de Interpretação de Conferências, e o professor não estava errado – o bom intérprete é, acima de tudo, um curioso nato.
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Quinze anos depois, trabalhando em um evento na APEX, em Brasília, eis que me deparo com o local todo decorado no tema Futebol. Cubos de papelão descreviam informações interessantes sobre futebol, e as mesas estavam adesivadas com questões de trivia futebolística.
Certamente estávamos próximos a alguma Copa, mas aí se esgota meu conhecimento (e interesse) futebolístico. Sou torcedora fiel dos times brasileiros em competições internacionais e olhe lá. Mas sou intérprete, né? Enquanto o evento não começava, saí lendo todos os cubos e mesas no hall de entrada.
Foi assim que aprendi que “a derrota do Brasil para o Uruguai na final da copa de 1950 no Maracanã ficou conhecida como Maracanaço”. Sim, foi a primeira vez que ouvi falar nesse termo, e me lembro de pensar que se não tivesse lido a explicação, pensaria que “Maracanaço” seria um enorme elogio ao Maracanã!
Corta para o evento, um dia inteiro de palestras e painéis sobre comércio exterior. Certamente influenciado pelo mesmo clima futebolístico que havia atiçado minha curiosidade, um dos participantes de um painel à tarde exclamou sobre a situação que havia acabado de descrever: “Aquilo foi praticamente um Maracanaço!”
E a intérprete que vos escreve, empolgadíssima, mirou na rede e marcou o gol! A tradução para os estrangeiros foi fluida e detalhada: “It was a tragedy, just like when Brazil lost to Uruguay in 1950 in Maracanã!”
Meu colega de cabine me olhou espantado, pois detalhes enciclopédicos não costumam fazer parte do ofício do intérprete – normalmente não há tempo para incluir as informações na fala, além de já estarmos prestando atenção na próxima frase a ser traduzida.
Mas eu tinha alguns segundos de sobra, a informação estava na ponta da língua, e a sensação de euforia quando encaixamos perfeitamente uma tradução difícil… bem, imagino que seja parecida à sensação de acertar o gol da vitória! (Do Brasil, gente. Vitória do Brasil!)